quinta-feira, 18 de abril de 2013

SER BOMBEIRO VOLUNTÁRIO É TRADIÇÃO DE MAIS 120 ANOS EM SANTA CATARINA

Apenas 14% dos municípios brasileiros têm bombeiros. Algumas cidades encontraram um outro caminho: o Corpo de Bombeiros civil. 

Domingo passado, o Fantástico mostrou a situação precária dos bombeiros na maior parte do país. Neste domingo, o Show da Vida mostra um caso à parte. Um exemplo de corporação que funciona muito bem. Um dos motivos, é a ajuda da população.
Fumaça à vista.  A reação é imediata. O deslocamento até o local do incêndio leva apenas cinco minutos. Adriano dirige o caminhão-tanque. Ele é um bombeiro voluntário. Assim como o mecânico João Pedro, que combate as chamas.

"Eu decidi a título de doação para a comunidade. É um dever que eu tenho com a comunidade", afirma João Pedro Matheus, mecânico e bombeiro voluntário.

Em pouco tempo, o fogo é controlado. O morador recebe atendimento das socorristas. Sandra e Silvia são irmãs, donas de casa, e voluntárias no Corpo de Bombeiros de Joinville.
“Eu acho que a população precisa muito de alguém que tenha esse tempo pra ajudar”, afirma Sandra Maria Possamai, dona de casa e voluntária.

No domingo passado, mostramos um dado preocupante: apenas 14% dos municípios brasileiros têm bombeiros.  ( Confira aqui a reportagem). E em muitos casos, os quartéis sofrem com a falta de equipamentos e viaturas sucateadas. A maioria das corporações é composta por militares. Algumas cidades encontraram um outro caminho: o corpo de bombeiros civil, que conta com o trabalho de voluntários.
Cento e vinte anos atrás, quando Joinville era uma pequena colônia de imigrantes alemães, os moradores se organizaram para combater os incêndios. Assim foi criado o primeiro corpo de bombeiros civil voluntário do país.

"As atribuições do bombeiro civil são as mesmas do bombeiro militar. Nós apagamos incêndio, nós atendemos acidentados, nós fazemos vistoria em prédios”, explica Olavo Gamper, presidente da Associação de bombeiros Voluntários de Santa Catarina.
De cada três bombeiros civis de Joinville, dois são voluntários. Recebem treinamento, uniforme e alimentação. Como dona Milânia, 66 anos, aposentada, que trabalha doze horas por dia, duas vezes por semana, como socorrista.

"Eu amo o que eu faço. Saio de casa contente quando posso chegar aqui no bombeiro e fazer algo que ajude ao próximo”, declara Milânia Félix, aposentada e bombeira voluntária.

Entre os bombeiros contratados e remunerados muitos começaram como voluntários, caso do comandante da corporação.

“Bombeiro civil não é sinônimo de amadorismo. Cada bombeiro voluntário que ingressa na corporação recebe um treinamento com os melhores padrões para as atividades que vai desenvolver”, afirma Heitor Ribeiro Filho, comandante do Corpo de Bombeiros de Joinville.
Quase metade dos recursos para manter o corpo de bombeiros vem dos moradores de Joinville. Trinta e cinco mil pessoas, que como Sandra, doam espontaneamente pequenas quantias na conta de luz.
"Eu contribuo com o bombeiro porque é um valor muito pequeno perto do retorno que o bombeiro traz para a população", afirma Sandra Hort de Souza, empresária.
O pioneirismo de Joinville inspirou outras 75 cidades do sul e do sudeste a terem um corpo de bombeiros civil e voluntário.
Nos Estados Unidos, apenas 9% dos quartéis são compostos por bombeiros contratados. A maior parte do efetivo conta com voluntários.
“A proposta é aumentar o número de municípios com bombeiros, independente do tipo, seja militar, sejam bombeiros civis, voluntários, comunitários, mistos - que são militares e civis trabalhando juntos”, diz José Carlos Tomina, pesquisador do IPT.

Nesta semana, o Ministério da Justiça vai discutir com especialistas a criação de um código nacional para a segurança contra incêndio e estimular a formação de novas corporações.
"O governo federal precisa estabelecer uma regra nacional para orientar os seus próprios órgãos federais, ajudar, algumas regras que não são de bom nível técnicos, e  ajudar esses 4800 prefeitos que não tem equipe técnica e não tem bombeiros", diz Tomina.

Enquanto isso, Joinville continua formando voluntários e futuros bombeiros.

"Eu tenho certeza que muitos deste jovens vão continuar com a gente por muito tempo", diz Adriano Bornschein Silva, bombeiro voluntário.

Edição do dia 14/04/2013


Fonte:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/04/ser-bombeiro-voluntario-e-tradicao-de-mais-125-anos-em-santa-catarina.html

segunda-feira, 8 de abril de 2013

APENAS 14% DAS 5.570 CIDADES BRASILEIRAS TÊM CORPO DE BOMBEIROS

Somente Rio, Distrito Federal e Amapá seguem padrão de segurança internacional. Brasil tem 200 mil incêndios por ano, cerca de 500 por dia.

O Brasil ainda se recupera de uma tragédia nacional: 241 pessoas, na maioria jovens, morreram no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Isso foi há pouco mais de dois meses. Em uma reportagem especial, o Fantástico faz um retrato das condições de trabalho dos bombeiros em todo o país. Será que eles estão preparados para atender a população?
O fogo se alastra rapidamente. O incêndio é numa empresa que recupera pneus, que são altamente inflamáveis e tóxicos. O combate às chamas é improvisado com balde, água mineral e mangueiras que não alcançam o foco do incêndio.
O fogo chega à casa vizinha. Sem nenhuma proteção, três pessoas sobem no telhado, mas, de novo, não adianta nada. O incêndio aconteceu em Bacabal, no interior do Maranhão. Na cidade de 100 mil habitantes, não existe corpo de bombeiros. Então, como o fogo foi controlado?
Contar com a sorte pra apagar incêndios é comum na Brasil. Segundo um estudo do Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), apenas 14% dos 5570 municípios do país têm bombeiros. “Nós temos aproximadamente 4,8 mil cidades sem bombeiros. A situação é muito, muito crítica”, afirma o pesquisador do IPT José Carlos Tomina.
Durante um mês, o Fantástico acompanhou essa situação. Algumas cidades até têm bombeiro, mas são poucos e os equipamentos, quando existem, estão caindo aos pedaços. A viatura do Corpo de Bombeiros é velha e enferrujada. Se começar a escurecer, o veículo não pode rodar pela cidade, porque nenhuma lâmpada acende.
Segundo o estudo do governo federal, acontecem, em média, 200 mil incêndios por ano no Brasil. São mais de 500 por dia. Em Tocantins, das 139 cidades do estado, apenas cinco têm bombeiros. E se acontecer um incêndio em um prédio, vai faltar um equipamento importante: a corporação não tem escadas do tipo Magirus, que ajudam no resgate de vítimas e no combate a incêndios em lugares altos. Nem na capital, Palmas, de 228 mil habitantes, existe essa escada.
“É uma deficiência sim. No passado, não se pensou em resolver esse problema. O equipamento está sendo adquirido nesse momento”, afirma o chefe do Estado Maior do Corpo de Bombeiros de Tocantins, coronel Dodsley Tenório Vargas.
Na cidade de Floriano (PI), que tem 57 mil habitantes, pode faltar o principal na hora de apagar o fogo. O tanque de água do caminhão fica vazando o tempo todo. Por isso, mesmo sem ocorrência, todo dia tem que ser recarregado. São cinco mil litros de água por dia.
O caminhão é uma sucata. O freio não funciona direito e não há cinto de segurança. “Essa unidade também não tem sistema de rádio, não funciona o limpador de parabrisa. A porta sem vidro. Não tem condições de atender emergência. Ele vai, mas colocando em risco o tráfego”, destaca o presidente da Associação dos Bombeiros Militares do Piauí, Francisco Silva.
A equipe do Fantástico acompanhou um dia de trabalho dos bombeiros de Floriano. Nenhum deles está habilitado para dirigir o caminhão.
“O comandante geral sabe que os bombeiros dirigem sem permissão?”, perguntou o repórter.
“Tanto essa prática como outras condutas já foram informadas de maneira formal, mas o que nós temos percebido é a total ausência de manifestação prática da autoridade”, diz o capitão Anderson Pereira, da Associação dos Bombeiros Militares do Piauí.
A precariedade do Corpo de Bombeiros do Piauí foi constatada pelo Ministério Público do Trabalho. “Não fossem estabelecimentos de utilidade essencial para a segurança da sociedade, esses estabelecimentos inclusive deveriam ter sido interditados, eles não têm condições de prestar um mínimo atendimento à sociedade”, diz o procurador do Piauí José Wellington Soares.
Em Picos, também no interior do Piauí, 73 mil habitantes, outro exemplo de péssimas condições de trabalho: um caminhão bem antigo foi todo adaptado para armazenar água. Foi feita uma espécie de piscina na carroceria. O que era para ser só um quebra-galho virou permanente. “O que se observa é que continua operando, como se fosse uma viatura de combate contra incêndio”, aponta Pereira.
Em 2007, o governo do estado e o Ministério da Justiça fecharam um convênio para construir uma nova sede da corporação, em Picos. A equipe do Fantástico foi ver a obra indicada pelos próprios bombeiros, que estaria parada desde 2010. O prédio está abandonado, as paredes estão rachadas e o piso começou a trincar.
O Ministério da Justiça que mandou quase R$ 300 mil para ajudar na construção da nova sede, agora apura porque tudo está parado e se o dinheiro foi mesmo aplicado na obra. O Fantástico procurou o comandante-geral dos bombeiros. “Não foram feitos, digamos, a parte de projeto hidráulico, elétrico, de prevenção de combate a incêndio. Não foi mais refeito o convênio e o governo do estado é quem vai assumir aquela obra”, explica o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Piauí, Manoel Bezerra dos Santos.
Das 224 cidades do Piauí, apenas quatro contam com quartel do Corpo de Bombeiros: Floriano, Picos, Parnaíba e a capital, Teresina. As equipes de Floriano e Picos, por exemplo, são responsáveis pelo socorro a municípios que ficam a mais de 500 quilômetros de distância. “Em quase todas as ocorrências, os danos materiais são completos”, destaca o capitão Anderson Pereira.
Foi o que aconteceu na quarta-feira (3), em Piripiri, cidade com 61 mil habitantes. Um incêndio destruiu uma casa em um bairro afastado. Maria dos Remédios Sousa, de 40 anos, morreu carbonizada. Ela era doente e morava sozinha. Foram os vizinhos que tentaram apagar o fogo. “O bombeiro foi meu filho que pegou a mangueira e estava por cima aguando, apagando”, diz a vizinha Francisca dos Remédios.
“É uma falta de investimento do poder público. Infelizmente, os administradores não querem ver a situação da comunidade”, afirma o promotor de justiça Nivaldo Ribeiro.
Uma pesquisa do Ministério da Justiça mostra que, no Piauí, há um bombeiro para cada grupo de 9.430 habitantes. É a pior proporção do país. “O que se estabelece internacionalmente é que se tenha um bombeiro para cada mil habitantes”, aponta o pesquisador José Carlos Tomina.
No Brasil, no que se refere a efetivo, apenas o Distrito Federal e os estados do Amapá e do Rio de Janeiro seguem os padrões internacionais de segurança. “O ideal seria que todos os municípios tivessem postos de bombeiros. A ideia é que, em sete minutos, no máximo, os bombeiros consigam chegar em qualquer emergência”, avalia Tomina.
Em Minas Gerais, das 853 cidades, 799 não têm Corpo de Bombeiros. Um delas é Jaboticatubas, a 60 quilômetros de Belo Horizonte. Em fevereiro do ano passado, uma padaria da cidade pegou fogo. “Só Deus para apagar. E a chuva”, conta o dono do estabelecimento, Maurilio Marques de Paula Santos.
O comerciante está indignado. Ele paga uma taxa de incêndio ao governo do estado. Ano passado, o valor chegou a R$ 472, quase o dobro do IPTU. Mas, quando precisou, os bombeiros vieram de outra cidade e o fogo já tinha destruído tudo. “Gastou duas horas para chegar aqui. Não tinha mais nada. Nem fumaça tinha mais”, diz Maurilio.
Uma lei estadual de 2003 criou essa taxa de incêndio para reforçar o orçamento dos bombeiros. Hoje, ela é cobrada de donos de indústrias e de comércios que apresentam alto risco de incêndios em 80 cidades. Em 25 desses municípios, não há Corpo de Bombeiros. “É um absurdo. Se tivesse pelo menos o serviço, ainda ia lá. Mas não tem. Se precisar do Corpo de Bombeiros, você não tem a menor assistência”, afirma o dono da padaria.
O Ministério Público investiga supostas irregularidades com o dinheiro arrecadado com a taxa de incêndio. Só no ano passado, o total passou dos R$ 56 milhões. “Você tem que ter imediatamente o serviço a sua disposição, sob pena de um enriquecimento até indevido do poder público, que recebe a taxa e não entrega o serviço”, destaca o promotor de justiça Eduardo Nepomuceno.
Fantástico: O senhor acha justo o comerciante que não tem bombeiro na cidade dele pagar a taxa de incêndio?
Capitão Frederico Pascoal (Corpo de Bombeiros-MG): Ele está sendo atendido sim por uma unidade do Corpo de Bombeiros. Existem cidades que não possuem unidade próxima e estas estão sim no nosso trabalho de expansão.
Fantástico: Todo dinheiro da taxa vem para o Corpo de Bombeiros?
Capitão Pascoal: Sim, o dinheiro da taxa é totalmente revertido ao Corpo de Bombeiros. O dinheiro é gasto 50%, no mínimo, com investimentos. Além, é lógico, do custeio de toda essa máquina, como, por exemplo, combustíveis, material de limpeza, a manutenção do Corpo de Bombeiros.
Percorrendo o Brasil, o Fantástico encontrou outra situação grave. Devido à falta de bombeiros, o trabalho de prevenção a incêndios fica seriamente comprometido. Em grande parte do país, vistorias e alvarás demoram pra sair. “Se estivessem ocorrendo avaliações com rigor, muitos edifícios estariam em melhores condições. Muitos estariam interditados e nós não teríamos 200 mil incêndios por ano”, aponta Tomina.
Segundo o governador do Piauí, a situação vai mudar. “Nós convocamos os últimos 35 concursados recentemente. Já treinamos, qualificamos, capacitamos e agora autorizamos um novo concurso público para os bombeiros do Piauí”, afirmou Wilson Martins.
No cargo desde 2011, o comandante-geral dos bombeiros do Piauí reconhece a precariedade. “Você tem que entender que aqui é um caso extremo. Não tem como. Eu vou botar quem para dirigir o carro?”, pergunta Manoel Bezerra dos Santos. Essa foi a resposta sobre o fato de bombeiros dirigirem caminhões sem carteira de habilitação.
Quanto à falta de equipamentos e viaturas sucateadas, ele diz: “O que tem chegado aqui a gente tem procurado atender. Certamente, alguma coisa ou outra possa ter passado despercebida”.
Para ele, quem tem que se esforçar são seus subordinados, que comandam os bombeiros no interior. “Ele, comandante, solicita ao comandante aqui. Compete a ele vir aqui na capital e ver. ‘Ó, comandante, eu preciso disso aqui para poder dar agilidade nesse processo’. Ele tem lá dois carros pequenos para fazer vistoria. Se ele não dá conta, sinto muito”, afirma Santos.
Na próxima quarta-feira (10), Santos e Flamengo do Piauí têm jogo marcado pela Copa do Brasil, no estádio governador Alberto Silva, o Albertão, em Teresina. Há duas semanas, um laudo dos bombeiros atestou que a partida não poderia ser realizada e que o projeto do estádio não tem "garantia de condições míninas de segurança contra incêndio e pânico".
Mas o comandante-geral decidiu liberar o jogo. “Analisei item por item. O estádio está em condições de atender o jogo daquele dia 10. Essas imperfeições, com certeza, até o dia 10, estarão todas, digamos assim, corrigidas”, garante.
O Fantástico não pôde entrar no estádio porque o local estaria passando por reformas.
Sobre o incêndio em Bacabal (MA), especialistas afirmam: foi sorte ninguém ter se ferido, em outubro passado. “Isso aí é uma atitude de desespero, correndo risco, inclusive, depois de virarem vítimas”, alerta o coronel da reserva do Corpo de Bombeiros de São Paulo Paulo Chaves de Araújo.
Como Bacabal não tem Corpo de Bombeiros, quando ocorre um incêndio desses, teria que vir uma equipe da capital, São Luís, que fica a quase 250 quilômetros de distância.
Sabe o que aconteceu? O improviso chegou ao ponto de o limpa-fossa ser usado para apagar o fogo. “Perguntaram: ‘Ei, aí é água?’. Eu digo ‘não, é fezes, mais ou menos uns quatro mil litros de fezes’. ‘A gente está precisando, que aqui o fogo está demais’”, relembra Jaelson Santos Souza.
E essa não foi a primeira vez que ele fez papel de bombeiro. Um ano antes, ele tinha apagado um incêndio em um depósito de reciclagem. “Não fica muito cheiroso não. O importante é resolver o problema”, diz.
No Maranhão, em média, há um quartel de bombeiros para cada 20 cidades.
“Por que não tem mais bases do Corpo de Bombeiros no estado?”, pergunta o repórter.
“A grande problemática é efetivo, tanto que o governo do estado está otimizando já. Temos um concurso em andamento para a entrada de mais 150 homens neste ano e em 2014, há uma previsão de mais 150 homens”, responde o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Maranhão, coronel Wanderley Pereira.
Para profissionais que sempre foram vistos como heróis, tanta precariedade causa vergonha. “O nosso bombeiro tem vergonha de ser bombeiro. Hoje, o nosso bombeiro está trabalhando com aquela ausência daquela força que nos move, que é a paixão, que é o amor de salvar e resgatar as vidas alheias”, diz Anderson Pereira.
E qual seria a solução? “O maior problema é não ter regra, requisitos de desempenho e fiscalização. Cada um faz o que quer”, aponta Araújo.
“Tem centenas de boates Kiss funcionando no Brasil e é muito fácil de se repetir o que aconteceu lá. Que a gente consiga tirar alguma lição dessa catástrofe, dessa comoção nacional que aconteceu em Santa Maria”, afirma o pesquisador José Carlos Tomina.

Fonte : http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/04/apenas-14-das-557-mil-cidades-brasileiras-tem-corpo-de-bombeiros.html
 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

INQUÉRITO POLICIAL INDICIA 16 PESSOAS CRIMINALMENTE POR TRAGÉDIA NA KISS

Nove pessoas podem ser denunciadas por homicídio com dolo eventual.
Prefeito e comandante dos Bombeiros também foram responsabilizados.

A Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas pela tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, atingida por um incêndio no dia 27 de janeiro que vitimou 241 pessoas. Nove delas podem ser denunciadas pelos crimes de homicídio com dolo eventual qualificado, quando a pessoa assume o risco mesmo sem intenção. Leia a íntegra do relatório do inquérito.
No total, 28 pessoas foram apontadas pelo inquérito policial como responsáveis pela tragédia. Entre elas, estão o prefeito da cidade, Cezar Schirmer, e o comandante do 4º Comando Regional de Bombeiros de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs. Segundo a polícia, em ambos os casos há indícios de prática de homicídio culposo e eles poderão ser investigados pelo Tribunal de Justiça e Justiça Militar, respectivamente.
(Inicialmente, o delegado informou que 35 pessoas haviam sido responsabilizadas. Na verdade, são 35 responsabilizações, ou seja, algumas pessoas foram responsabilizadas por mais de um crime. Após o fim da coletiva, a polícia confirmou que são 28 pessoas responsáveis).
O indiciamento significa que a polícia acredita que há indícios de autoria dos crimes por parte dos suspeitos. Já entregue à Justiça, o inquérito será encaminhado para vista do Ministério Público (MP). A partir disso, o MP tem prazo de cinco a 10 dias para oferecer ou não a denúncia contra todos ou parte dos envolvidos, além de mudar o enquadramento dos crimes, se julgar necessário. Há ainda a possibilidade de arquivamento de um ou mais casos ou pedido de novas investigações.
arte indiciados boate Kiss (Foto: Editoria de Arte)
Se o MP apresentar a denúncia, os indiciados viram acusados. Se a Justiça aceitar a denúncia contra os acusados, viram réus em processo criminal. O caso do prefeito de Santa Maria, que tem foro privilegiado, será analisado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). A polícia pediu que o processo seja aberto por homicídio culposo. Já a conduta dos bombeiros apontada no inquérito será investigada pela Justiça Militar.
Em caso de futura condenação, a pena prevista para homicídio é de seis a 20 anos de reclusão em regime fechado. Para os que foram indiciados por homicídio doloso qualificado, essa pena subiria para o mínimo de 12 anos e o máximo de 30 anos, em função do agravante. Isso porque as mortes foram causadas por asfixia (meio cruel), como previsto no Código Penal.
A polícia fez o indiciamento solicitando que as eventuais penas sejam somadas por cada uma das mortes, o chamado concurso material . “Entendemos que são crimes dolosos contra a vida. Nesse caso, se aplica a regra do concurso material. É óbvio que haverá um entendimento por parte do Ministério Público, de acordo com a melhor doutrina”, explicou o delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony.
A outra opção da polícia seria pedir a aplicação de pena por concurso formal, que é quando uma única ação ou omissão resulta em vários crimes. Nesse caso, se aplicaria a pena do crime mais grave. Quando são vários crimes iguais – 241 homicídios, por exemplo – a pena seria aplicada por um único homicídio, aumentada em um sexto até a metade.
Polícia exibe vídeos inéditos sobre incêndio dentro da boate
A entrevista coletiva que apresentou o resultado dos 54 dias de investigação foi realizada no auditório do Centro de Ciências Rurais (CCR) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Com uma ajuda de um programa de apresentação de telas, o delegado Arigony resumiu os pontos principais do inquérito de 13 mil páginas, divididos em 52 volumes.
Durante essa apresentação, a Polícia divulgou dois vídeos inéditos do incêndio. As imagens foram registradas por telefones celulares de pessoas que estavam na boate (veja o vídeo acima). Em um deles, é mostrado o início do fogo e a tentativa de combate às chamas por parte dos músicos da banda Gurizada Fandangueira.
Resumo do depoimento
de 810 pessoas ouvidas
- 119 pessoas afirmaram que a boate tinha lotação superior a mil pessoas

- 83 afirmaram que o fogo se iniciou com o artefato pirotécnico

- 50 pessoas afirmaram que havia mais artefatos pirotécnicos nas laterias do palco

- 181 pessoas afirmaram que o incêndio se iniciou no palco principal

- 108 pessoas afirmaram que o extintor de incêndio não funcionou

- 153  afirmaram que não enxergaram luzes e sinalização de emergência

- 84 afirmaram que os seguranças impediram saída por alguns segundos

- 124 afirmam que as barras de contenção ou guardas-corpos obstruÍram a saÍda da Kiss

- 178 afirmaram que Já viram show pirotécnico na Kiss em outras oportunidades

- 18 pessoas afirmaram que a boate não ofereceu qualquer treinamento para incêndio

- 24 afirmaram que a boate Kiss passou por diversas reformas ao longo do tempo

- 17 pessoas afirmaram que Mauro Hoffmann participava da administração da boate

- 47 viram civis entrando na boate para auxiliar no resgate sem serem contidos por bombeiros (no mínimo cinco morreram)
No outro, feito do outro lado do palco onde o incêndio começou, as pessoas percebem as chamas e parecem não se dar conta da gravidade da situação. Em poucos segundos, a boate é tomada pela fumaça. “Em cerca de 40 segundos após o início do fogo, o caos estava instalado dentro da boate. A luz apagou, a fumaça tomou conta e a situação ficou absolutamente calamitosa. A fumaça baixou com um colchão preto e ficou impossível respirar lá dentro”, afirmou o delegado.
Durante as investigações, a polícia ouviu 810 depoimentos, entre testemunhas, sobreviventes, familiares, servidores da prefeitura, fiscais, bombeiros que participaram do resgate, entre outros. Esses testemunhos foram fundamentais para ajudar a polícia chegar a algumas conclusões e, a partir disso, buscar as provas para apontar os responsáveis. Os depoimentos confirmaram o ponto de origem do fogo, a falta de itens de segurança na boate e a superlotação, entre outros (veja o quadro ao lado).
As irregularidades na emissão dos alvarás, o uso de fogos de artifício para ambientes externos em um ambiente fechado, a espuma de revestimento acústico inadequada (que liberou fumaça tóxica ao queimar, com os elementos cianeto e monóxido de carbono), a porta única de entrada e saída (em desacordo com as normas e legislação), os guarda-corpos posicionados na saída da boate (que retardaram a evacuação do público após o incêndio, assim como a porta), e a falta de sinalização e luzes de emergência adequadas foram apontados como fatores que contribuíram para o elevado número de vítimas.
“O conjunto das investigações concluiu que várias omissões ou condutas inadequadas que resultaram no incêndio contribuíram para o grande número de mortes. Mas o fator mais determinante é que tínhamos uma casa funcionando em situação absolutamente irregular”, afirmou Arigony. “Esse evento horrível deixou de ocorrer em diversas outras circunstâncias devido à conduta temerária dos gestores do local”, acrescentou.
Marcelo Arigony na divulgação do inquérito sobre o incêndio na boate Kiss em Santa Maria (Foto: Ricardo Duarte/Agência RBS)Polícia Civil apresenta o resultado das investigações  (Foto: Ricardo Duarte/Agência RBS)
Confira repercussão do anúncio do inquérito
- Gilberto Weber, advogado de Luciano Bonilha Leão (produtor da Gurizada Fandangueira)
“Durante a investigação, em várias oportunidades, ocorreram manifestações, tanto do delegado, quanto do Ministério Público. Eles sempre deixaram claro qual seria a direção para esse indiciamento. Não houve novidade. Com relação ao Luciano, ele poderá ser denunciado, como também poderá haver desclassificação durante a análise do inquérito. Ele poderá ser denunciado por outra coisa, homicídio culposo, por exemplo. Para ter segurança na linha de defesa, somente após a confirmação da decisão do MP”.
- Jader Marques, advogado do Elissandro Callegaro Spohr (sócio da boate Kiss)
“A Polícia Civil deixou de fazer qualquer consideração sobre um dos pontos mais importantes da investigação, que foi a instauração de um inquérito civil que determinou a colocação da espuma, as reformas e que fotografou a casa. Que sabia da situação dos alvarás. A impressão da defesa é de que houve uma omissão grave da Polícia Civil quanto à atuação do promotor de Justiça. Houve uma falha grave ao não considerar a importância das obras. Spohr foi indiciado 241 vezes por homicídio dolos e 623 por asfixia, além de responder também pelo incêndio. Na próxima, semana vamos a Santa Maria para enfrentar todas essas questões".

- Bruno Menezes, advogado de Mauro Hoffman (sócio da boate Kiss)
“Não nos causou surpresa o indiciamento, pois a Polícia Civil já vinha antecipando que ele (Mauro) seria. O próprio Ministério Público já antecipou que haverá denúncia contra ele. O que nos causou surpresa foi a postura de toda a investigação com relação às prisões, que aconteceram já no primeiro dia. Pelo Código Brasileiro, é preciso ser evidenciado uma conduta do Mauro para vinculação. E a única vinculação dele é ele ser sócio da empresa. No inquérito, houve uma alusão de 17 testemunhas que teriam feito uma referência por ele ser administrador da empresa. Para mim, esse número é muito pequeno em uma amosta de 810. Tenho a mais absoluta certeza de que o indiciamento por homicídio doloso não se sustentará no MP”.

- Leo Becker, vice-presidente da associação de familiares das vítimas (AVTSM)
"Temos que dar parabéns à Polícia Civil pela competência e coragem por conduzir com responsabilidade indicando os culpados. Confiamos plenamente na Polícia Civil. Fizeram um trabalho que vai ser vir de exemplo para o mundo todo. Agora vamos acompanhar a a segunda etapa da investigação, que vai para a promotoria e Judiciário. O indiciamento de políticos veio desmistificar a blindagem  que havia em cima do Poder Executivo. A Polícia Civil desmascarou o prefeito Cezar Schirmer e o comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs, que diziam que tudo estava legal".
- Cezar Schirmer, prefeito de Santa Maria, apontado no inquérito como um dos 28 responsabilizados na tragédia
"Fui tomado de surpresa. Talvez tenha sido a maior surpresa da minha vida pública e pessoal. Estamos diante de um absurdo, de uma aberração jurídica, de um processo que é de natureza política. Com todo o respeito, essa é uma tese ridícula. Até o momento, não tem nada, só temos indícios. Até que se provem alguma coisa, não temos nada. Confio no Tribunal de Justiça e no Ministério Público".
- Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul
"Ele (comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs) será afastado do comando. Independentemente que isso signifique um adiantamento de julgamento, mas uma pessoa que está indiciada, evidentemente, tem que ser afastada do comando e farei isso imediatamente, quando voltar ao Rio Grande do Sul. Agora cabe ao Ministério Público examinar profundamente este relatório e fazer a denúncia para responsabilizar penalmente aquelas pessoas que estão sendo indiciadas, que cometeram atos ilegais, irregulares ou até estiveram comprometidas do ponto de vista penal".
A lista dos 16 indiciados criminalmente

241 homicídios com dolo eventual qualificado e 623 tentativas de homicídio
1- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira)
2 - Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor da banda Gurizada Fandangueira)
3 - Elissandro Callegaro Spohr (sócio-proprietário da Kiss)
4 - Mauro Londero Hoffman (sócio-proprietário da Kiss)
5- Ricardo de Castro Pasche (gerente da Kiss)
6 - Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko, proprietária da boate no papel)
7 - Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, proprietária da boate no papel)
8 - Gilson Martins Dias (bombeiro que vistoriou a boate)
9 - Vagner Guimarães Coelho (bombeiro que vistoriou a boate)
Indiciados por 241 homicídios culposos*
10 - Miguel Caetano Passini (secretário de Mobilidade Urbana)
11 - Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário do Meio Ambiente)
12 - Beloyannes Orengo de Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana)
13- Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o Alvará de Localização da boate)
* Denúncias por crime de lesões corporais dependem de representação das vítimas
Indiciados por fraude processual
14 - Gerson da Rosa Pereira (major dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
15 - Renan Severo Berleze (sargento dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
16 - Elton Cristiano Uroda (ex-sócio da boate Kiss, que deu falso testemunho)
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 241 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. O inquérito policial, que indiciou 16 pessoas criminalmente, conclui que:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas

 Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/03/policia-apresenta-conclusoes-do-inquerito-sobre-tragedia-na-boate-kiss.html