segunda-feira, 1 de abril de 2013

INQUÉRITO POLICIAL INDICIA 16 PESSOAS CRIMINALMENTE POR TRAGÉDIA NA KISS

Nove pessoas podem ser denunciadas por homicídio com dolo eventual.
Prefeito e comandante dos Bombeiros também foram responsabilizados.

A Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas pela tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, atingida por um incêndio no dia 27 de janeiro que vitimou 241 pessoas. Nove delas podem ser denunciadas pelos crimes de homicídio com dolo eventual qualificado, quando a pessoa assume o risco mesmo sem intenção. Leia a íntegra do relatório do inquérito.
No total, 28 pessoas foram apontadas pelo inquérito policial como responsáveis pela tragédia. Entre elas, estão o prefeito da cidade, Cezar Schirmer, e o comandante do 4º Comando Regional de Bombeiros de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs. Segundo a polícia, em ambos os casos há indícios de prática de homicídio culposo e eles poderão ser investigados pelo Tribunal de Justiça e Justiça Militar, respectivamente.
(Inicialmente, o delegado informou que 35 pessoas haviam sido responsabilizadas. Na verdade, são 35 responsabilizações, ou seja, algumas pessoas foram responsabilizadas por mais de um crime. Após o fim da coletiva, a polícia confirmou que são 28 pessoas responsáveis).
O indiciamento significa que a polícia acredita que há indícios de autoria dos crimes por parte dos suspeitos. Já entregue à Justiça, o inquérito será encaminhado para vista do Ministério Público (MP). A partir disso, o MP tem prazo de cinco a 10 dias para oferecer ou não a denúncia contra todos ou parte dos envolvidos, além de mudar o enquadramento dos crimes, se julgar necessário. Há ainda a possibilidade de arquivamento de um ou mais casos ou pedido de novas investigações.
arte indiciados boate Kiss (Foto: Editoria de Arte)
Se o MP apresentar a denúncia, os indiciados viram acusados. Se a Justiça aceitar a denúncia contra os acusados, viram réus em processo criminal. O caso do prefeito de Santa Maria, que tem foro privilegiado, será analisado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). A polícia pediu que o processo seja aberto por homicídio culposo. Já a conduta dos bombeiros apontada no inquérito será investigada pela Justiça Militar.
Em caso de futura condenação, a pena prevista para homicídio é de seis a 20 anos de reclusão em regime fechado. Para os que foram indiciados por homicídio doloso qualificado, essa pena subiria para o mínimo de 12 anos e o máximo de 30 anos, em função do agravante. Isso porque as mortes foram causadas por asfixia (meio cruel), como previsto no Código Penal.
A polícia fez o indiciamento solicitando que as eventuais penas sejam somadas por cada uma das mortes, o chamado concurso material . “Entendemos que são crimes dolosos contra a vida. Nesse caso, se aplica a regra do concurso material. É óbvio que haverá um entendimento por parte do Ministério Público, de acordo com a melhor doutrina”, explicou o delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony.
A outra opção da polícia seria pedir a aplicação de pena por concurso formal, que é quando uma única ação ou omissão resulta em vários crimes. Nesse caso, se aplicaria a pena do crime mais grave. Quando são vários crimes iguais – 241 homicídios, por exemplo – a pena seria aplicada por um único homicídio, aumentada em um sexto até a metade.
Polícia exibe vídeos inéditos sobre incêndio dentro da boate
A entrevista coletiva que apresentou o resultado dos 54 dias de investigação foi realizada no auditório do Centro de Ciências Rurais (CCR) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Com uma ajuda de um programa de apresentação de telas, o delegado Arigony resumiu os pontos principais do inquérito de 13 mil páginas, divididos em 52 volumes.
Durante essa apresentação, a Polícia divulgou dois vídeos inéditos do incêndio. As imagens foram registradas por telefones celulares de pessoas que estavam na boate (veja o vídeo acima). Em um deles, é mostrado o início do fogo e a tentativa de combate às chamas por parte dos músicos da banda Gurizada Fandangueira.
Resumo do depoimento
de 810 pessoas ouvidas
- 119 pessoas afirmaram que a boate tinha lotação superior a mil pessoas

- 83 afirmaram que o fogo se iniciou com o artefato pirotécnico

- 50 pessoas afirmaram que havia mais artefatos pirotécnicos nas laterias do palco

- 181 pessoas afirmaram que o incêndio se iniciou no palco principal

- 108 pessoas afirmaram que o extintor de incêndio não funcionou

- 153  afirmaram que não enxergaram luzes e sinalização de emergência

- 84 afirmaram que os seguranças impediram saída por alguns segundos

- 124 afirmam que as barras de contenção ou guardas-corpos obstruÍram a saÍda da Kiss

- 178 afirmaram que Já viram show pirotécnico na Kiss em outras oportunidades

- 18 pessoas afirmaram que a boate não ofereceu qualquer treinamento para incêndio

- 24 afirmaram que a boate Kiss passou por diversas reformas ao longo do tempo

- 17 pessoas afirmaram que Mauro Hoffmann participava da administração da boate

- 47 viram civis entrando na boate para auxiliar no resgate sem serem contidos por bombeiros (no mínimo cinco morreram)
No outro, feito do outro lado do palco onde o incêndio começou, as pessoas percebem as chamas e parecem não se dar conta da gravidade da situação. Em poucos segundos, a boate é tomada pela fumaça. “Em cerca de 40 segundos após o início do fogo, o caos estava instalado dentro da boate. A luz apagou, a fumaça tomou conta e a situação ficou absolutamente calamitosa. A fumaça baixou com um colchão preto e ficou impossível respirar lá dentro”, afirmou o delegado.
Durante as investigações, a polícia ouviu 810 depoimentos, entre testemunhas, sobreviventes, familiares, servidores da prefeitura, fiscais, bombeiros que participaram do resgate, entre outros. Esses testemunhos foram fundamentais para ajudar a polícia chegar a algumas conclusões e, a partir disso, buscar as provas para apontar os responsáveis. Os depoimentos confirmaram o ponto de origem do fogo, a falta de itens de segurança na boate e a superlotação, entre outros (veja o quadro ao lado).
As irregularidades na emissão dos alvarás, o uso de fogos de artifício para ambientes externos em um ambiente fechado, a espuma de revestimento acústico inadequada (que liberou fumaça tóxica ao queimar, com os elementos cianeto e monóxido de carbono), a porta única de entrada e saída (em desacordo com as normas e legislação), os guarda-corpos posicionados na saída da boate (que retardaram a evacuação do público após o incêndio, assim como a porta), e a falta de sinalização e luzes de emergência adequadas foram apontados como fatores que contribuíram para o elevado número de vítimas.
“O conjunto das investigações concluiu que várias omissões ou condutas inadequadas que resultaram no incêndio contribuíram para o grande número de mortes. Mas o fator mais determinante é que tínhamos uma casa funcionando em situação absolutamente irregular”, afirmou Arigony. “Esse evento horrível deixou de ocorrer em diversas outras circunstâncias devido à conduta temerária dos gestores do local”, acrescentou.
Marcelo Arigony na divulgação do inquérito sobre o incêndio na boate Kiss em Santa Maria (Foto: Ricardo Duarte/Agência RBS)Polícia Civil apresenta o resultado das investigações  (Foto: Ricardo Duarte/Agência RBS)
Confira repercussão do anúncio do inquérito
- Gilberto Weber, advogado de Luciano Bonilha Leão (produtor da Gurizada Fandangueira)
“Durante a investigação, em várias oportunidades, ocorreram manifestações, tanto do delegado, quanto do Ministério Público. Eles sempre deixaram claro qual seria a direção para esse indiciamento. Não houve novidade. Com relação ao Luciano, ele poderá ser denunciado, como também poderá haver desclassificação durante a análise do inquérito. Ele poderá ser denunciado por outra coisa, homicídio culposo, por exemplo. Para ter segurança na linha de defesa, somente após a confirmação da decisão do MP”.
- Jader Marques, advogado do Elissandro Callegaro Spohr (sócio da boate Kiss)
“A Polícia Civil deixou de fazer qualquer consideração sobre um dos pontos mais importantes da investigação, que foi a instauração de um inquérito civil que determinou a colocação da espuma, as reformas e que fotografou a casa. Que sabia da situação dos alvarás. A impressão da defesa é de que houve uma omissão grave da Polícia Civil quanto à atuação do promotor de Justiça. Houve uma falha grave ao não considerar a importância das obras. Spohr foi indiciado 241 vezes por homicídio dolos e 623 por asfixia, além de responder também pelo incêndio. Na próxima, semana vamos a Santa Maria para enfrentar todas essas questões".

- Bruno Menezes, advogado de Mauro Hoffman (sócio da boate Kiss)
“Não nos causou surpresa o indiciamento, pois a Polícia Civil já vinha antecipando que ele (Mauro) seria. O próprio Ministério Público já antecipou que haverá denúncia contra ele. O que nos causou surpresa foi a postura de toda a investigação com relação às prisões, que aconteceram já no primeiro dia. Pelo Código Brasileiro, é preciso ser evidenciado uma conduta do Mauro para vinculação. E a única vinculação dele é ele ser sócio da empresa. No inquérito, houve uma alusão de 17 testemunhas que teriam feito uma referência por ele ser administrador da empresa. Para mim, esse número é muito pequeno em uma amosta de 810. Tenho a mais absoluta certeza de que o indiciamento por homicídio doloso não se sustentará no MP”.

- Leo Becker, vice-presidente da associação de familiares das vítimas (AVTSM)
"Temos que dar parabéns à Polícia Civil pela competência e coragem por conduzir com responsabilidade indicando os culpados. Confiamos plenamente na Polícia Civil. Fizeram um trabalho que vai ser vir de exemplo para o mundo todo. Agora vamos acompanhar a a segunda etapa da investigação, que vai para a promotoria e Judiciário. O indiciamento de políticos veio desmistificar a blindagem  que havia em cima do Poder Executivo. A Polícia Civil desmascarou o prefeito Cezar Schirmer e o comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs, que diziam que tudo estava legal".
- Cezar Schirmer, prefeito de Santa Maria, apontado no inquérito como um dos 28 responsabilizados na tragédia
"Fui tomado de surpresa. Talvez tenha sido a maior surpresa da minha vida pública e pessoal. Estamos diante de um absurdo, de uma aberração jurídica, de um processo que é de natureza política. Com todo o respeito, essa é uma tese ridícula. Até o momento, não tem nada, só temos indícios. Até que se provem alguma coisa, não temos nada. Confio no Tribunal de Justiça e no Ministério Público".
- Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul
"Ele (comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs) será afastado do comando. Independentemente que isso signifique um adiantamento de julgamento, mas uma pessoa que está indiciada, evidentemente, tem que ser afastada do comando e farei isso imediatamente, quando voltar ao Rio Grande do Sul. Agora cabe ao Ministério Público examinar profundamente este relatório e fazer a denúncia para responsabilizar penalmente aquelas pessoas que estão sendo indiciadas, que cometeram atos ilegais, irregulares ou até estiveram comprometidas do ponto de vista penal".
A lista dos 16 indiciados criminalmente

241 homicídios com dolo eventual qualificado e 623 tentativas de homicídio
1- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira)
2 - Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor da banda Gurizada Fandangueira)
3 - Elissandro Callegaro Spohr (sócio-proprietário da Kiss)
4 - Mauro Londero Hoffman (sócio-proprietário da Kiss)
5- Ricardo de Castro Pasche (gerente da Kiss)
6 - Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko, proprietária da boate no papel)
7 - Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, proprietária da boate no papel)
8 - Gilson Martins Dias (bombeiro que vistoriou a boate)
9 - Vagner Guimarães Coelho (bombeiro que vistoriou a boate)
Indiciados por 241 homicídios culposos*
10 - Miguel Caetano Passini (secretário de Mobilidade Urbana)
11 - Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário do Meio Ambiente)
12 - Beloyannes Orengo de Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana)
13- Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o Alvará de Localização da boate)
* Denúncias por crime de lesões corporais dependem de representação das vítimas
Indiciados por fraude processual
14 - Gerson da Rosa Pereira (major dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
15 - Renan Severo Berleze (sargento dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
16 - Elton Cristiano Uroda (ex-sócio da boate Kiss, que deu falso testemunho)
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 241 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. O inquérito policial, que indiciou 16 pessoas criminalmente, conclui que:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas

 Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/03/policia-apresenta-conclusoes-do-inquerito-sobre-tragedia-na-boate-kiss.html

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